Nos cinemas portugueses desde 31 de Outubro, o filme parece
continuar a ter os seus efeitos no público. É provável que os fãs hardcore, categoria onde orgulhosamente me insiro, nem tenham
apreciado o filme assim tanto. Talvez por ser uma representação ínfima do que
foi realmente a vida da banda. Decerto que valeu à dita, ainda hoje
representada por Roger Taylor e Brian May, algum reabastecimento financeiro. Valeu também montes de merchandising associado
ao grupo e ao próprio Freddie. Merchandising esse que teve, no último mês e
meio, uma presença insistente em tudo o que é loja. E que deu à luz uma geração de ‘novos-fãs’.
Nunca é tarde demais para se ficar fã de uma banda.
Especialmente se estamos a falar de Queen. Mas não posso deixar de sentir que é
triste quando as pessoas reduzem Queen a uma única música. Só porque tem o
mesmo nome do filme que foram ver ao cinema e que lhes lembrou de que, "afinal, Queen
é bom".
Freddie Mercury morreu em 1991, mas a banda nunca deixou de
existir. Os êxitos que produziu são só algumas das melhores músicas de sempre.
E quem aprecia Queen a sério, quem é fã a sério, sabe que Queen é todo ele um
mundo musical longo e abstrato.
O filme Bohemian Rhapsody, por muito que reconheça ter sido um bom filme, não é nem metade do assunto real.
E é só triste ver um recém-fã na Fnac a querer comprar a banda sonora original do
filme por 20€, porque continha a música que deu o nome ao filme, em vez de
pagar pouco mais e levar para casa um pack de três CD com os maiores êxitos dos
Queen (incluíndo a pretendida música). É igualmente triste ver malta
relativamente adulta, com os seus vintes ou até já nos seus trintas, (abaixo de vinte dou
um desconto) que, de repente, se acha entendida na banda e se considera fã de Queen, só
porque viu o filme agora - mas que nunca gostou deles nem das suas músicas
até há um mês atrás.
Vanglorio-me por ser uma pessoa musicalmente rica. Os meus
pais tiveram-me com 26 anos, e na primeira casa onde cresci, os meus dias eram
passados a ouvir ingenuamente as (boas) músicas dos anos 70 e sobretudo 80.
Posso dizer que os meus pais tinham um gosto musical excelente, e que talvez
nem se apercebam dos tesouros que, inconscientemente, me deram: Madonna, Michael
Jackson, Elton John, Bee Gees, White Snake, Scorpions, Pink Floyd, Alphaville,
Bon Jovi, Brian Ferry, Duran Duran, ImagiNation, Prince, Savage, Europe ou Cock
Robin eram presença assídua na máquina de vinil e posterior aparelhagem que
tivemos.
Todos estes artistas me acompanharam e contribuíram para o
meu enriquecimento artístico sem fazerem a menor ideia. E mesmo quando, aos 6 anos, comecei
a fazer as minhas primeiras escolhas musicais das quais ser fã (Spice Girls,
Celine Dion e Laura Pausini), nunca me distanciei daquilo que era a boa música.
Como se, por mais Britney Spears ou Backstreet Boys que fossem aparecendo, a música dos meus pais fosse sempre diferente e mais especial.
Os Queen vieram até mim mais tarde. Aparentemente o vinil do lendário 'Innuendo' sempre esteve em nossa casa, e sem dúvida terei ouvido Queen
passivamente em bebé, juntamente com todas as outras bandas dos anos 80. Mas
quando a máquina de vinil, da qual fracamente me lembro, deu o berro, comprou-se a aparelhagem, e os Queen
ficaram para trás. Não ouvi Queen em casa até muitos anos depois.
Aos doze anos fui diagnosticada com escoliose severa. E tive
de me submeter a um rigoroso, longo e duro tratamento para me curar, que felizmente terminou com sucesso. Foi numa das frequentes idas ao ortopedista, que o meu
pai parou numa qualquer loja de discos e comprou o álbum de êxitos dos Queen - Greatest
Hits II. Esse dia marcou-me para sempre.
Com doze anos, é claro que já tinha ouvido Queen algures no Rádio.
Talvez sem sequer saber que era Queen. Sem sequer imaginar que era mais uma das
boas escolhas de música que os meus pais tinham em casa e com a qual viveram a
juventude.
Não houve nenhuma visita ao ortopedista em que não fôssemos
a bombar o álbum no carro, desde a porta de casa até ao estacionamento do Curry
Cabral. Cada faixa era melhor do que a anterior. Cada música tinha uma
musicalidade diferente, todas alegres, poderosas e brincalhonas. Tão boas e
intemporais, que continuariam a enquadrar-se igualmente bem no plano musical de
hoje em dia.
Curiosamente, nunca gostei da 'Bohemian Rhapsody'. Não estava
incluída naquele Greatest Hits II, pelo que cresci a apreciar muito mais todas
as outras músicas de Queen. Das vezes em qua a ouvia na rádio, a música parecia-me desprovida de senso ou mensagem.
Um autêntico circo de mesclas musicais na mesma faixa. Uma completa comédia de
Fígaros, Galileus, uma pobre mãe qualquer e um coro de gente histérica aos
gritos. Música clássica, com rockalhada, piano introspectivo, solos loucos de
guitarra.. Não deixa de ser imperativamente uma música
icónica e lendária, que espelha da melhor maneira a diversidade criativa da
banda e que melhor reflete o engenho e a excentricidade genial musical que a
caracteriza. Não sou menos fã por não amar a 'Bohemian Rhapsody' de morte.
Mas Queen não é só 'Bohemian Rhapsody'. Não pode o nome de um
filme de homenagem transmitir isso, nem criar modas ou fenómenos. Queen é maior
que aquele filme e maior que a vida. Queen é a melhor banda de todos os tempos
e não uma moda que um filme de repente nos faz seguir.
Tenho pena dos que precisaram de ir ao cinema para se
tornarem fãs da banda, quando as suas músicas nunca deixaram de estar presentes
nas rádios ou televisões de Portugal e do mundo inteiro. Tenho pena que se
cinjam à ‘Bohemian Rhapsody’ e às típicas ‘I Want To Break Free’ ou ‘Under
Pressure’ por serem as habituais passadas na m80.
Lastimo que poucos
saibam que o Brian May não só é um dos melhores guitarristas que veio à Terra,
como também é um astrofísico que contribuiu para a NASA com importantes estudos sobre partículas
solares, e que fabricou a própria guitarra, com madeira destinada à construção de uma lareira,
com a ajuda do pai. Guitarra essa, patenteada, de modelo inacessível à grande
maioria dos mortais. – A Red Special.
E nunca mais pararia de escrever sobre Queen. Queen não é moda nem fenómeno. Não é algo que se odiava
ontem e que se gosta hoje. Muito menos por causa de um filme. Fenómenos
acontecem e desaparecem. Queen e Freddie Mercury EXISTEM.
E são para sempre.
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