sábado, 29 de dezembro de 2018

As pessoas ideais


Ao longo dos anos tenho ouvido, incessantemente, várias mulheres, colegas de trabalho ou amigas perguntarem:  “Onde andam os (bons) homens?” Quase como que retoricamente. "Os homens são todos iguais."; "Não se encontram homens de jeito" ou "que mal fiz eu para não merecer um homem como deve ser?" são outros lamentos que as ouço bradar aos céus com frequência. 
As que nunca namoraram, queixam-se igualmente. As que já namoraram - muito ou pouco - continuam a queixar-se de lições que parecem não aprender. As casadas ou as que estão em relações de longo prazo, parecem sempre insatisfeitas com o companheiro ou marido que escolheram e queixam-se.
Constantemente. 

De modo igual, mas menos frequente, venho ouvindo o mesmo tipo de comentários da parte de alguns homens, também eles amigos, colegas ou conhecidos. "Já não há mulheres sérias.", "Onde estão elas?" Como se nem sequer esperassem realmente uma resposta à própria pergunta. 

Esta questão existencial parece continuar a fazer parte do dia a dia de muitos que me rodeiam. Dos aleatórios com quem por vezes me cruzo e nem volto a ver. 
Então... onde andam eles? Esses homens e mulheres perfeitos? Porque é que é tão difícil para jovens e velhos, homens e mulheres, hoje em dia, encontrarem um parceiro à sua medida? 

Pessoalmente, cheguei a perguntar a mim própria o mesmo. Sempre fui uma daquelas pessoas que se queixava e que era esquisita com as pessoas que escolhia para ter ao meu lado. Fôssem interesses românticos ou mesmo amigos. Como se eu só merecesse o melhor. As melhores pessoas. 

Mas um dia fui confrontada com uma outra pergunta à minha interrogação inicial:  “Porque é que achas que mereces um bom homem, Mel?” 

Não sei, acho que sempre assumi que... toda a gente merece uma boa pessoa ao seu lado, não? O príncipe encantado, o homem perfeito, o 'arquétipo da perfeição' - Certo, Miguel Araújo? Que nos ponha a fazer “check” na lista interminável de coisas que procuramos num homem desde adolescentes, e à qual adicionamos novas exigências à medida que os anos passam. Que seja até mesmo convenientemente parecido com o ator com quem fantasiamos desde a puberdade. Certo? 
Errado. Ao cubo.

Não temos, de modo absolutamente nenhum, direito a ter uma 'boa' pessoa, particularmente se nós próprios não formos boas pessoas. Ao sermos a melhor versão da nossa pessoa temos muito mais hipóteses de atrair uma 'boa' pessoa e de sermos merecedores da dita. 

Ao sermos pessoas trabalhadoras, disciplinadas, que praticam o perdão, valorizam a compreensão, o diálogo, a gratidão, pessoas leais, respeitadoras, pessoas com bom cuidado da sua higiene, imagem e saúde, são maiores as hipóteses de atrairmos, para nós, pessoas com qualidades semelhantes, a dada altura da nossa vida.

Mas se os que me estão a ler não têm nenhumas destas (ou outras boas) qualidades, as que considerem importantes num parceiro, dificilmente estão no direito de esperar que um dia vão encontrar uma 'boa' pessoa, ou de achar sequer que a merecem. Um bom homem, companheiro, namorada, esposa, amigos. 


Acredito sincera e logicamente que, uma parte de nos melhorarmos a nós próprios passa por termos a humildade de admitir que os outros NÃO têm que nos aceitar exactamente tal como somos. Ao contrário dos muitos disparates egoístas e frutos da cultura do 'Eu' em que vivemos. Ouvimos tantas vezes disparates absurdos em como “O amor é aceitar a outra pessoa por tudo aquilo que ela é”, ou “Se não aceitas o pior de mim, não mereces o melhor de mim” ou ainda o imaturo “se não me aceitas na totalidade, é porque não me aceitas de todo”, e pensamentos altamente egocentristas, desprovidos de bom senso e lógica do mesmo género.

Primeiro que tudo, o amor não funciona assim - se estivermos a falar de amor. Estes modos de pensar não podiam estar mais longínquos da verdade e de serem mais imaturos e ridículos. Senão vejamos: E se tivermos mesmo falhas e defeitos graves em nós? Arrogância, maldade, mesquinhez? E se houver, efetivamente, falta de higiene insuportável, ou se por culpa própria são pessoas claramente com excesso mórbido de peso, que descuram a sua saúde? 

Então e se tiverem sérios problemas de carácter violento, ou forem pessoas incredulamente egoístas ou insuportavelmente críticas, onde tudo gira só à vossa volta e daquilo que VOCÊS acham, pensam e sentem? E se forem uns alcoólicos irresponsáveis, de copo na mão em tudo o que é bar até aos 30 anos, sem qualquer outra ocupação orientada para um futuro estável com alguém que procuram que seja sério? 
Deverão os outros aceitar-vos porque estas coisas todas são quem VOCÊS são? Ou não será antes mais fácil admitir que existem falhas pessoais, e tentar remediá-las, em vez de forçarem as outras pessoas a aceitá-las?

Na geração 'Eu' em que vivemos não, não é fácil - E isso é um problema. 

A sociedade diz-nos hoje que temos de aceitar tudo, não há regras, não há ordem, que se lixe o Outro - Eu primeiro. A culpa de ninguém gostar de Mim é da sociedade, a culpa de Eu ser gordo é da sociedade, que não gosta de gente gorda; a culpa de Eu me sentir feia é das modelos da Victoria's Secret, do Photoshop e do Instagram. Se estou solteira, é porque os homens de hoje em dia... 

E a culpa vai para cima de tudo e de todos - excepto de NÓS próprios. 

O que é curioso, pois nesta mesma cómica geração queremos que TODOS olhem para nós e para a nossa vida e que nos achem o máximo. Porém, somos os últimos a olhar para ela de modo autoconhecedor, honesto e sincero. Porque essa responsabilidade é muito pesada. E responsabilidade também não combina com a maioria de muitas destas pessoas. Que querem acreditar que são perfeitas, que os filtros das redes sociais as conseguem mesmo convencer de que são tão boas e bonitas por dentro, como as fazem parecer por fora. 

E pronto. E quem quiser ponha like. E "se não gostas, põe à borda do prato. Problema teu. Eu sou assim - take it or leave it. Born this way."

Fogo, pá... não tenho sorte com os homens/mulheres.

Não quero dizer que tenhamos que invalidar as nossas imperfeições, porque no final de contas elas fazem parte de nós, e do que é ser humano. Mas larguemos um pouco a mentalidade fraca e irresponsável de que “Isto sou eu, eu sou assim, e nada em mim está ao meu alcance para ser retificado.”
Não devemos permitir-nos o conformismo e o comodismo. Somos seres imperfeitos sim, mas as imperfeições devem ser encaradas como estímulos à nossa evolução como seres racionais. 

Devemos trabalhar todos os dias para nos melhorarmos a nós mesmos. Mesmo quem já é comprometido. Se o fizermos, se tentarmos todos os dias ser boas e melhores pessoas, não só preocupadas no que os outros podem fazer por nós, mas também naquilo que podemos fazer pelo Outro, aí sim podemos mais facilmente encontrar o tal homem ou mulher bons. E a melhor parte: sentirmos que somos merecedores de tal pessoa.

 


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