Quando tinha 9 anos pedi aos meus pais, pelo Natal, uma
Playstation – a primeira de todas, que tinha surgido há já um aninho ou dois.
Junto com a consola vinha também um jogo de luta, o Tekken 3, que comecei a jogar com bastante frequência. Nada em mim
fazia adivinhar que fosse gostar de jogos de luta, mas a verdade é que gostei,
e guardei sempre alguma nostalgia com a franquia dos jogos Tekken.
No entanto, era o único jogo que tinha, e pouco tempo depois
ofereceram-me aquele que foi o meu segundo jogo: Tomb Raider III – The Adventures of Lara Croft. Uma mulher esbelta
e forte, com um sotaque britânico refinado e atrevido, uma trança enorme, que
percorria vários pontos do mundo em demandas por relíquias míticas e segredos
lendários por sítios exóticos, interessantes e cheios de perigos em cada
esquina. Perigos esses dominados com um atrevimento natural e uma arrogância
confiante e divertida. E com pistolas. Duas!
A Lara Croft em Tomb Raider Underworld (2008) - uma versão mais dark da imagem clássica da heroína |
O meu cosplay de Tomb Raider Underworld |
Tomb Raider III - The Adventures of Lara Croft (1998) : Apesar de ser o terceiro da franquia, foi o meu primeiro jogo TR, com o qual tudo começou. |
Foi impossível não gostar da Lara Croft assim que a conheci. Vivia aquelas aventuras e vibrava com o passar de cada nível. – Apesar de isso só passar a acontecer a partir do momento em que os meus pais se lembraram da existência de uma coisinha chamada Cartão de Memória, sem o qual perderia todo o jogo conseguido, em caso de Game Over ou de simplesmente desligar a consola. Digamos que sofri muito até se terem lembrado de me comprar esse artefacto milagroso.
Estas heroínas fortes e engraçadas – a Lara do Tomb Raider e a Xiaoyu do Tekken – rapidamente me cativaram. A
Xiaoyu representava o meu lado fofo e inocente, com o plus de que ainda dava umas belas tareias, enquanto que a Lara
representava uma vontade enorme de ver o mundo, dominar tudo e ser destemida.
Tendo eu sido uma criança que cresceu cheia de medos e ansiedades,
que injustamente me definiam perante os outros, vi naquelas personagens aquilo que eu queria ser. Que no fundo era, sem
ainda o saber.
A Xiaoyu dos jogos Tekken, contra a qual ninguém me vencia |
E por muito que amasse de morte coisas adoráveis, femininas
e triviais como brincar com bonecas, vestir-me de princesa, desenhar ou fazer
balões de sabão no quintal da minha avó, descobri um outro lado meu, que
gostava de jogos de luta e de viver situações de perigo - no écran. Foi graças à Playstation e a
estes dois jogos que descobri essa grande parte da minha personalidade.
Sempre gostei de me mascarar e de me vestir, numa primeira
fase, como tudo o que fossem princesas, e numa fase mais avançada, como
heroínas, nem sempre já tão femininas. Nos meus tempos da creche, com 3 e 4 anos,
fazia birras porque queria vestir saias ou vestidos todos os dias – estes
últimos ainda hoje são uma perdição para mim – porque queria sentir-me como uma
princesa ao vestir-me como elas o mais possível. Sem nunca ter tido UM único vestido de princesa no Carnaval
– um dos meus maiores desgostos de criança (tive um disfarce de dama antiga
horrendo, mas isso não contava como princesa porque a saia não tinha roda,
imagine-se) – eu própria, durante as mil brincadeiras com que me entretinha
sozinha, vestia-me com as roupas que tinha, conjugando-as de modo a que fossem
o mais parecido possível com algo que lembrasse princesas. Até os penteados
recriava.
Sempre gostei de disfarces, de viver, por momentos, na
pele de outros que não eu, imitar as vozes que ouvia nas cassetes da Disney, ao
ponto de as papaguear do princípio ao fim (e ainda hoje talvez seja capaz de
reproduzir imensas cenas de vários filmes), fazer pequenos teatros com o meu
irmão, inventar mil ideias para disfarces e festas caseiras no Halloween –
coisa que praticamente mais ninguém fazia na super pacata da minha vila. Tudo premonições do
meu futuro gosto pelo Teatro e pelo Voice Acting (Dobragens).
Quando há 5 anos soube da existência de uma coisa chamada Cosplay, soube instantaneamente que tinha de fazer parte daquele universo. E foi numa conversa casual entre amigos, onde um deles me disse que eu dava uma boa Lara Croft para o Carnaval, que tive a certeza daquilo que queria fazer a nível de cosplay.
Cosplay é uma
contracção das palavras inglesas costume
(traje) e play (representar). É uma
subcultura originalmente japonesa centrada em encarnar personagens dos mangás,
animes, séries e videojogos, através do disfarce. É um hobby no qual pessoas com o mesmo tipo de gosto cultural exibem as
próprias criações de fatos feitos à mão, tiram muitas fotografias e têm a
possibilidade de participar em concursos de melhores recriações.
Quando há 5 anos soube da existência de uma coisa chamada Cosplay, soube instantaneamente que tinha de fazer parte daquele universo. E foi numa conversa casual entre amigos, onde um deles me disse que eu dava uma boa Lara Croft para o Carnaval, que tive a certeza daquilo que queria fazer a nível de cosplay.
O meu primeiro e único cosplay
até hoje foi sempre o de Lara Croft. E não foi só há 5 anos. Assim que
fiquei fã de Tomb Raider aos 9-10 anos, dias houve em que me tentava vestir
como a Lara, a correr pela minha casa com os braços esticados em frente, a
disparar balas invisíveis dos dois indicadores das minhas mãos. Uns calções de
praia amarelos, – porque eram a única cor de calções que tinha que mais se
aproximava da cor bege/caqui dos dela – e um top simples azul. Uma pequena
mochila castanha, e uma trança, claro. E pistolas que roubava dos brinquedos do
meu irmão – uma sempre diferente da outra, porque ter duas pistolas de
brinquedo iguais era pedir muito. Ou ainda um par de pistolas do século XVIII
que os meus pais - que me passaram a cromisse pela História - tinham, em réplica, para decorar a sala. (ainda hoje não
sonham que brinquei com elas!)
E passava horas a imaginar que a minha casa era a mansão
Croft. Uma vez cheguei à loucura de desenhar e pintar a aguarelas TODOS os
items dos inventários de TODOS os jogos
de Tomb Raider que ia coleccionando, num tamanho considerável, e de espalhá-los
por toda a casa, nos sítios mais absurdos e por vezes óbvios, para depois os
apanhar a todos, imaginando-me nas aventuras. O meu irmão era, quase sempre, o
meu parceiro de “jogo”. Memórias muito felizes de brincadeiras, pouco comuns
mas puras, que fizeram muita da nossa infância.
Apesar de gostar do mundo dos videojogos, nunca me
considerei fanática. Até porque a idade ia-me cada
vez mais afastando da vontade dos jogos. Foi o meu irmão quem, pouco depois,
passou a continuar a demanda pela colecção de Tomb Raider (e outros jogos). Continuei
sempre fã e a seguir as jornadas da Lara, sem perder pitada, mas com o comando
passado para as mãos dele.
O meu cosplay de Lara Croft do jogo Tomb Raider (2013), um remake da história original |
Porquê o cosplay e porquê a Lara Croft? – perguntou-me um jornalista do Expresso este mês, no meu dia na Comic Con. Bem, porque o cosplay, tal como me acontece com o teatro, funciona para mim como um escape à vida real do dia a dia comum. É poder ser a Lara Croft por um dia, saber que é ela quem as pessoas vêem quando me olham, sem ninguém saber quem sou, como me chamo ou de onde venho. É um modo de me expressar através do carinho pela personagem que encarno. É um modo divertido de conhecer e comunicar com pessoas de todo o país ou até mesmo de vários pontos do mundo.
A Lara é o epítome da aventura, elegância e glória. É forte, corajosa, atlética e culta. Também tem o bónus de ser curiosa pelo mundo, tem sede de aventura, uma confiança que não a faz parar perante nada nem ninguém. Domina mil idiomas, tem um conhecimento infindável pela História e cultura de vários países – muitas características que temos em comum. Não se conforma com os limites do mundo, impostos pela Humanidade. Desafia a Natureza e a Mitologia com um estilo inigualável. E vence sempre. E mesmo sendo uma mulher forte e de inteligência impressionante, a Lara também tem um lado misterioso, divertido, charmoso e amável, por debaixo de toda a imagem badass que lhe é característica. Cai muitas vezes em sarilhos, como muitos de nós também. Tem limitações e sentimentos que muitas vezes prefere não deixar transparecer. E cede bastante às emoções humanas no jogo reboot que veio transformar toda a franquia Tomb Raider, em 2013, continuando pelas sequelas de 2015 e 2018 (Rise of The Tomb Raider e Shadow of the Tomb Raider).
A Lara é o pacote completo de beleza, inteligência e força,
e a perdição de muitos homens – os fictícios com quem se encontra nas aventuras
ou os próprios fãs do mundo real. Durante anos foi conhecida pelos seus
atributos físicos humanamente inatingíveis – algo hoje em dia quase condenável
pelas muitas mulheres altamente sensíveis e frustradas deste mundo que vêem objetificação em tudo o que é mulher mais atrevida, voluptuosa, confiante e sexy. Foi uma boneca
altamente sexualizada pela indústria que a criou, verdade. Mas foi essa imagem –
a meu ver divertida, livre e carismática - que a estabeleceu como A Lara Croft, e pessoalmente só tenho a
achar divertido e inteligente o modo como foi concebida pela equipa da Eidos e
da Crystal Dinamics. Conseguiram algo único e inigualável – colocaram esta
personagem num trono, de onde nunca nenhuma outra lhe tirará a coroa.
Em cima, a Lara Croft em Tomb Raider (2013); Em baixo, a minha representação da mesma versão. |
Onde muitos possam ver (erradamente) na Lara uma degradação
à imagem da mulher, a criação de expectativas irreais ao corpo das mulheres, a
sexualização da mulher como algo negativo e redutor, eu vejo poder,
força, sensualidade e confiança – algo que devia ser inspirador para as
mulheres. Acho que as mulheres não devem ter vergonha de mostrar a sua
sensualidade e que há algo de poderoso em sentirmo-nos bonitas enquanto
ultrapassamos obstáculos, fazendo uso do nosso conhecimento, sabedoria, sensatez
e cultura. A Lara é isso. Apenas há que
ter em conta que se trata de uma boneca irreal. Que não deixa de ser
inspiradora só porque veste soutien copa DDD.
Conceberam uma boneca única, reconhecível em qualquer parte do
mundo, e acarinhada por milhões de pessoas. Que se materializou no grande écran com as interpretações da Angelina
Jolie, e mais tarde da Alícia Vikander, esta última numa versão mais humana e
realista, adaptada (ainda que muito pouco) do jogo reboot de 2013. Não há muitas mulheres como ela, especialmente
tratando-se de uma personagem fictícia, mas é isso mesmo que faz dela um ídolo,
conhecida por ser a figura feminina mais icónica do mundo dos videojogos.
Lara Croft ganhou vida no grande écran, primeiro na pele de Angelina Jolie em 2001 (à direita), e mais tarde com Alícia Vikander, em 2018 (à esquerda). |
Sem nunca ter tido grande engenho na criação da minha caracterização, tenho a vantagem de ter características físicas com as quais
consigo trabalhar para obter uma imitação credível da Lara Croft – em qualquer
uma das suas versões, na verdade. Tenho um físico atlético, que remete para a
silhueta dela, sem (obviamente) exageros irreais; O rosto comprido, “facilmente
maquilhável e trabalhável para o écran”
como sempre me foi dito no curso de Comunicação, e as sobrancelhas angulares são outro plus
que fazem toda a diferença. A tez e o cabelo morenos também ajudam. Também
tenho um olhar doce, que consegue ora parecer vulnerável, ora intimidante,
conforme as versões da personagem.
Para o resto do público, não me chamo Melissa. Não importa o
que faço, de onde venho, as minhas opiniões, pensamentos, circunstâncias de
vida. A minha identidade ali e naquele momento é Lara Croft - arqueóloga,
exploradora e saqueadora de túmulos. Colecciono artefactos, descubro mistérios
do mundo enquanto, muitas vezes, o salvo – com duas pistolas, metrelhadoras,
bazucas ou um simples arco de setas – e vivo numa mansão Croft. Por umas horas posso
ser e ter tudo isso. É por isso que a Lara Croft é a minha heroína preferida, e o passaporte mais que perfeito para entrar no mundo fantástico da arte do Cosplay.