segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Falemos de Fotografia (e do Instagram)

O Instagram existe há já uma década, mas para mim existe apenas há 16 meses. Depois de anos a ouvir sistematicamente “como assim não tens Facebook nem Instagram?", lá cedi ao fenómeno e à curiosidade.

Digamos que o primeiro nunca me atraiu; Não me identificava com o conteúdo do Facebook nem com o ambiente de gente maioritariamente de meia idade, muitos deles mal formados, a destilar ódio, ignorância e veneno em cada publicação de importância banal. O teor demasiado público e a facilidade com que as pessoas faziam (e ainda fazem) questão de expor qualquer futilidade que lhes acontecesse, (selfies com queixas de que estão nas urgências com 20 pessoas à frente, por exemplo) o interior de toda a nova casa, o carro novo com a matrícula visível ou a sobreexposição dos filhos menores, muitas vezes bebés - o que pessoalmente condeno - nunca me agradaram.

Contudo, sempre tive uma ideia um pouco mais agradável do Instagram. Sempre achei que tivesse uma conotação mais visual, onde não fosse tão frequente nem exagerado aquilo que cada um partilha sobre si. Uma rede ideal para partilhar conteúdo artístico, como o que me agrada.  

Então, em Outubro de 2018 publiquei o meu primeiro post e comecei a partilhar aos poucos, com o mundo, pedaços daquilo que sou, das minhas Artes e das minhas paixões, sempre a um nível visual e muito superficial. Ao fim de mais de um ano a instagramar, tenho a minha opinião formada sobre o Instagram. Sobre as suas vantagens e problemas. Mas hoje queria partilhar a minha opinião sobre a Fotografia, uma muito antiga paixão minha, e que é a base desta rede social.

Apesar de, como já referi várias vezes neste blog e em posts do Instagram, não ser prisioneira do meu aspecto, adoro aprumar-me para sair e divertir-me a tirar fotos em dias em que me sinto particularmente gira. Com mais ou menos maquilhagem, de sorriso mais ou menos aberto e com poses maioritariamente naturais, adoro brincar em frente a uma câmara. 

Por detrás das muitas fotos "bonitas" que partilho no Instagram, há imensa brincadeira entre cliques. É um lado meu que também gosto de mostrar.   


Também gosto de fotografar, e para uma amadora como eu, penso que até me safo muito bem com composições fotográficas. Compor o meu feed e ver feeds de outros utilizadores estimula-me imenso, visualmente. E a estimulação visual (ou artística de qualquer tipo) funciona como combustível para a minha alma. Bonito, mas é assim mesmo. Quem for das Artes compreenderá.

Bonitos são também muitos dos feeds que sigo. Alguns a roçar a impecabilidade visual de um modo dolorosamente artificial. Estrategicamente construídos de modo a que as cores combinem harmoniosamente de uma publicação para a outra; feeds de utilizadoras que todos os dias - TODOS os dias - arrastam um namorado à beira da loucura, para a rua, para que este fotografe os mil outfits diferentes para publicar durante a semana (e estes casos são tão óbvios como cringey); poses e semblantes demasiado altivos e artificiais, cenários demasiado perfeitos para fazerem parte de um dia a dia credivelmente normal, publicações que não passam de publicidade atrás de publicidade exaustiva a mil e uma marcas e produtos da moda diferentes...

Tudo fotografias bonitas, na verdade.

E não há nada de errado em publicarmos as nossas fotos bonitas - desde que tirar fotos bonitas não seja a única razão pela qual as tiramos. E desde que as fotos bonitas assim o sejam porque nós o decidimos e não porque o feed de uma blogger de moda ou de viagens qualquer nos disse que eram.

Tenho mais do que fazer do que perder neurónios a pensar no que vou fazer à minha vida se hoje decidir publicar uma foto de fundo berrante, que em nada condiz com as cores das 8 fotos anteriores do meu feed, se só recebo cerca de 30–50 likes por publicação, podendo ter quiçá o triplo, se ganho ou perco seguidores. E por muito que haja quem ganhe a vida à conta da perfeição de todas essas variáveis, do conteúdo e dos números do seu Instagram... São só fotos. Por vezes demasiado pensadas para os outros. E é aí que queria chegar:

Entristece-me ver que somos uma geração que se esqueceu de tirar fotos para si mesmos. Estamos tão inconscientemente focados naquilo que possamos considerar a perfeição de uma fotografia que há muito que já esquecemos do quão simples e desfrutável é captarmos momentos para ninguém outrem que nós mesmos.

Apesar de adorar Moda e de gostar de posar para fotos, também sou muito despreocupada, nada agarrada à imagem, e divirto-me genuinamente a tirar fotos.

Esquecemo-nos das gargalhadas que se soltavam nos tempos de estudante, de cada vez que um amigo nos tirava uma foto despreocupada, com as bocas escancaradas de modo estranho - porque hoje pedimos-lhe que apague semelhante foto imediatamente, sem sequer pensar duas vezes.

Esquecemo-nos de como ser brincalhões, divertidos, enérgicos e patetas. Em plena era dos Memes, esquecemo-nos ironicamente do quão é bom sermos um pouco malucos e rirmo-nos dos nossos erros. Tornámo-nos tão críticos, que as coisas que outrora nos traziam alegria, incluindo o simples acto de tirar fotografias, são hoje em dia capazes de nos transmitir coisas horríveis como ansiedade, inveja ou stress.

Esquecemo-nos de como ser espontâneos, de como deixar os fios do nosso cabelo ao sabor do vento, do modo mais despreocupado que eles quiserem, de permitir que as nossas barrigas relaxem quando estamos na praia, sem t-shirt, de correr para as ondas do mar de braços abertos e lançarmo-nos lá para dentro sem pensar no quão vamos arruinar o nosso look de praia perfeito. (O que era isso, há uns anos atrás? O que eram pestanas falsas, quilos de bijutaria e eyeliner na praia?)

Esquecemo-nos de como mandar um mergulho desajeitado e hilariante na piscina, de contemplar o pôr-do-sol ou apreciar belas vistas sem a preocupação de termos uma câmara connosco para captar o momento, ou se o próprio local em si é suficientemente "instagramável" e digno ou não de ter o seu espaço no nosso feed.

Esquecemo-nos. E esquecemo-nos porque, bem lá no fundo, muitos de nós se sentem perdidos. Creio que o principal inimigo dos amantes de fotografia (amadores ou profissionais)  deste mundo moderno em que vivemos é a incapacidade de fazermos as próprias escolhas – decidir aquilo que nos parece bonito a nós, o que significa para nós o “espectacular”, o “bem-sucedido”.
O que restará de nós se, à conta da Internet, perdermos a capacidade de nos identificarmos a nós mesmos?


Talvez nos consigamos encontrar, no meio desta selva digital, se mudarmos o modo como olhamos para a Fotografia, e a usemos antes como metáfora para perspectiva:

- De que ângulo queremos ver a nossa vida?
- Qual é a nossa ideia de beleza?
- Como nos podemos editar a nós próprios de modo a conseguirmos viver a nossa vida o melhor possível? E sem a pressão do mundo digital e do Outro?

Os momentos perfeitos não são planeados. São desajeitados, divertidos e memoráveis. Costumam vir acompanhados de grandes sorrisos. E o mundo precisa mais disso.

A realidade para a qual nunca temos tempo para pensar e admitir é a de que nada mais desgasta a alma do ser humano como a ânsia de querer agradar aos outros. Comecemos a tirar fotos pelas memórias, pela captura de momentos e não por nomes de marcas, pela captura de sorrisos genuínos em vez de likes sintéticos, por doses de vida em vez de vislumbres de mera existência, por afirmações positivas vindas de nós mesmos, para nós mesmos, em vez de validação superficial de nomes de utilizadores desprovidos de rosto, que no final de contas, não constituem o menor significado nas nossas vidas nem para a nossa felicidade.

Há muita gente no Instagram, Facebook, e afins redes sociais que precisam de se redescobrir, de viverem do modo como querem, sem deixarem que a sombra das normas da sociedade e do mundo digital bloqueiem a sua luz.

Que, com cada fotografia, brilhemos. Mas que brilhemos primeiramente para nós mesmos, antes de brilharmos seja para quem for.